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quinta-feira, 3 de março de 2011

Governo de SC cogita transferir administração de hospitais a Organizações Sociais

Estado é um dos que ainda mantêm um grande número de unidades de saúde sob gestão própria
Atualizada às 13h16min
Roberta Kremer | roberta.kremer@diario.com.br
Filas nas portas das emergências, macas espalhadas pelos corredores e falta de trabalhadores. Esse é o Raio-X dos hospitais administrados pelo Estado em Santa Catarina. A causa diagnosticada é a burocracia do sistema e a solução mais cogitada pelo governo é transferir a gestão das instituições mais problemáticas às organizações sociais.

Passados 14 anos da medida provisória que criou a figura da Organização Social (OS) — pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que podem gerenciar serviços públicos — no país, Santa Catarina é um dos estados que ainda mantêm um grande número de hospitais com gestão própria. Dos 19 hospitais públicos do Estado, 14 são administrados pela Secretaria de Saúde e cinco por organizações sociais, ou seja, 26%.

Agora, a meta do governo é seguir os passos de estados como São Paulo, um dos mais avançados na transferência da gestão dos hospitais ao terceiro setor. Lá, as OS já são responsáveis por 30 unidades, 43% das 70 instituições.

O secretário de Saúde de Santa Catarina, Dalmo Claro de Oliveira, diz que a administração das organizações sociais — defendida pelo governador Raimundo Colombo (DEM) — é interessante por agilizar o atendimento à população. Isso porque as OS podem adquirir produtos e serviços sem licitação e contratar funcionários sem concurso público.

O secretário, que encerrou nesta segunda-feira a visita aos hospitais públicos do Estado, observa que a ideia em estudo é passar para as OS as instituições com problemas no funcionamento.

— Não precisamos mexer onde funciona, como o Hospital Santa Tereza, em Lages, que está em ótimas condições de atendimento. Já no Hospital Florianópolis, poderemos reabri-lo, após a reforma, com a gestão de uma organização social.

Rapidez e economia

Representantes do setor privado, como o presidente da Federação dos Hospitais de Santa Catarina (Fehoesc), Tércio Egon Paulo Kasten, concordam com a ideia de que instituições administradas por OS beneficiam os usuários. Para Kasten, as OS conseguem trazer economia e eficiência para o Estado, diminuindo as filas comuns nas portas dos hospitais públicos.

Além de agilizar os procedimentos, a administração por organizações poderia reduzir os gastos públicos. Enquanto os técnicos de enfermagem concursados pelo Estado trabalham 30 horas semanais e têm salário base de R$ 900 mensais, mais eventuais gratificações, as OS podem contratar celetistas com carga horária de até 44 horas semanais e piso de R$ 660.

A ressalva do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), é que uma carga de 44 horas semanais é estressante para funcionários da saúde, pelo convívio com a dor e o sofrimento em condições precárias. Para a entidade, um regime de trabalho mais leve influencia diretamente na segurança dos procedimentos feitos com os pacientes.

Há usuários que também acreditam que as organizações sociais possam melhorar o funcionamento das instituições de saúde. A balconista Rita de Cássia do Nascimento, 44 anos, que usa os serviços do Hospital Regional, em São José, acha que a administração pode ser agilizada com as OS.

— Mas é preciso ter certeza que serão escolhidos grupos honestos, sem risco de desviarem verba pública.

Adaptações em hospital de Joinville

A experiência de quase três anos de administração do Hospital Materno-infantil Jeser Amarante por uma OS traz alguns ensinamentos sobre o sistema de parceria privada defendido pelo governador Raimundo Colombo (DEM). A lição principal é que é necessário um trabalho intenso para adaptar à realidade as previsões de demanda no contrato.

No caso do Infantil, houve bastante discrepância. A necessidade prevista inicialmente era de 940 funcionários. O hospital hoje funciona com 718.

O setor de obstetrícia — que atende a grávidas adolescentes — calculava cem partos mensais, mas apenas a metade é registrada. O déficit ficou restrito ao número de atendimentos no pronto-socorro.

Em vez de 2,6 mil atendimentos mensais, o hospital bateu recorde em dezembro, com mais de 7 mil. Isso que o limite de idade dos pacientes baixou para 16 anos, em vez dos anteriores 18. O fato exigiu remanejamento de enfermeiros e técnicos de enfermagem, todos contratados pela organização paranaense Hospital Nossa Senhora das Graças.

Este ano, a Secretaria de Estado da Saúde e a organização devem discutir outra adaptação, desta vez, financeira. O repasse de cerca de R$ 5 milhões mensais tem sobrado no caixa do hospital.

Como a OS, por contrato, não pode ter lucro, o que resta vai para a compra de equipamentos ou outros materiais, por meio de tomada de preço. Por força disso, o Estado fez acordo para espaçar a entrega do dinheiro até que as contas fiquem equilibradas. O último montante foi liberado em setembro.

O contrato com a OS, em agosto de 2008, desencalhou o Infantil, que chegou a ser chamado de "elefante branco" pelo governador na época, Luiz Henrique da Silveira. A obra custou o dobro do previsto e levou 10 anos para ser concluída. O projeto era ainda mais antigo, tinha 15 anos. Equipamentos chegaram a ficar um ano encaixotados na garagem. Em meados de 2010, uma reforma nas UTIs pediátrica e neonatal adequou a estrutura, desatualizada em relação a normas técnicas.

Fora reclamações de demora no atendimento, que a direção afirma serem sazonais, o hospital alcança bons resultados em pesquisas de satisfação com pais de pacientes internados (exigência contratual). O Infantil tem apenas uma mancha no currículo. Há quase um ano, Felipe Malaquias, de um ano e cinco meses, deu entrada com sintomas de bronquite. Recebeu uma injeção e morreu segundos depois, nos braços da mãe. O inquérito policial continua. A enfermeira que aplicou a injeção não trabalha mais no hospital: pediu demissão meses depois.

Gestão por OS divide entidades do setor
A possibilidade de hospitais públicos passarem para a administração de organizações sociais divide opiniões de entidades de classe relacionadas à área da saúde. Enquanto parte dos representantes defende a ampla discussão sobre o assunto, sindicalistas definem a transferência dos serviços para as OS como o primeiro passo para a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS). Para eles, o que falta para a Secretaria de Saúde melhorar o setor é investimento e planejamento.
Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estadual (SindSaúde)
AVALIAÇÃO: PROPOSTA É TENTATIVA DE PRIVATIZAÇÃO
A presidente do SindSaúde, Edileuza Garcia Fortuna, lembra que a Constituição elenca a saúde como direito de todos e dever do Estado. Ela acredita que o governo quer passar a responsabilidade à iniciativa privada e considera uma afronta às conquistas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Edileuza dá o exemplo do caso de São Paulo, onde a Assembleia Legislativa aprovou em dezembro o projeto de lei que autoriza hospitais administrados por OS a destinarem até 25% dos leitos e atendimentos para pacientes com convênios ou contratos privados.

Ela acredita que medidas como essa podem chegar em Santa Catarina e fariam o usuário do SUS perder parte da pouca estrutura que tem para atendimento. Para Edileuza, haveria uma seleção de pacientes, com os conveniados sempre no começo da fila.
Sindicato dos Médicos de Santa Catarina (Simesc)
AVALIAÇÃO: RISCO DE PERDA DE DIREITOS TRABALHISTAS 
O Simesc não vê a administração das organizações sociais como solução para a má gestão dos hospitais. Para o presidente do Simesc, Cyro Soncini, evitar concursos públicos e licitações não vai trazer melhorias.

Soncini acredita que falta planejamento para o governo.

— Nenhuma gestão vai funcionar se deixar para fazer uma licitação de um remédio só quando faltar. É preciso ter organização.

Como as OS podem contratar funcionários sem passar por concursos públicos, Soncini alerta que não há como garantir que o profissional tenha qualidade técnica suficiente para o trabalho.
Conselho Regional de Enfermagem (Coren)
AVALIAÇÃO: TEMA PRECISA DE MAIS DEBATE 
O Coren considera que a proposta deve ser amplamente discutida em audiências públicas com participação dos setores públicos, da sociedade e dos órgãos representativos das profissões da saúde. Só assim será uma decisão acertada.
Associação Catarinense de Medicina (ACM)
AVALIAÇÃO: RECOMENDA SISTEMA MISTO 
O presidente da entidade, Genoir Simoni, aponta que, antes de tratar das organizações sociais, é preciso re-equipar os hospitais e admitir mais servidores naqueles que estão com leitos fechados por falta de profissionais.

— As organizações sociais podem ser uma boa forma de administrar, desde que sejam colocadas regras claras. É preciso saber quem vai gerenciar essas entidades e ter cuidado para não entrar em um barco desconhecido e piorar a saúde. Talvez um sistema misto, mantendo os servidores, possa ser melhor.
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