O EXPRESSO DA DOR
Sem atendimento do Samu, idoso morre mesmo tendo unidade a 400 metros de casa
Por Ruben Berta
rberta@oglobo.com.br
Se pacientes enfrentam longas viagens, de até 24 horas, de cidades do
interior do estado em busca de saúde no Rio - conforme O GLOBO vem
mostrando desde o último domingo na série de reportagens "O expresso da
dor" -, há também quem sofra mesmo tendo o atendimento bem perto de
casa. Na manhã da última quinta-feira, 16 de agosto, o corretor de
imóveis Nilson Carlos Pessanha Júnior perdeu o pai, Nilson Carlos
Pessanha, de 78 anos, vítima de uma parada cardíaca. O idoso, que tinha
câncer de próstata, morava a 400 metros do Hospital Municipal Carlos
Tortelly, no Bairro de Fátima, em Niterói, local onde também funciona a
central regional do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Segundo Júnior, os familiares fizeram 12 ligações, desde as 9h, para
pedir uma ambulância para levar seu pai - que pesava cerca de 120 quilos
- para a unidade, sem sucesso. No auge do desespero, ele chegou a ir à
central para pedir ajuda e ouviu um "não" como resposta. Carregou então,
a duras penas, junto com os irmãos, o pai enrolado num edredom e o
levou de carro para a unidade. Às 10h44m, pouco depois de dar entrada no
hospital, Nilson Pessanha morreu.
Sofrimento. Nílson Júnior segura a certidão de óbito e a última foto do pai |
- Fica uma sensação de raiva muito grande, que estou transformando em
energia, para denunciar o caso e lutar. Via sempre coisas assim
acontecerem na televisão, mas dessa vez senti na própria pele - afirma Nílson Júnior.
Relatório aponta problemas no serviço
O caso que terminou com a morte do idoso pode ser apenas um exemplo de
como o transporte do Samu passa por uma crise na região conhecida como
Metropolitana 2, que engloba os municípios de Niterói, Itaboraí, Maricá,
Rio Bonito, São Gonçalo, Silva Jardim e Tanguá. No ano passado, as
próprias prefeituras locais solicitaram a elaboração de um relatório,
chamado Plano Regional de Urgência e Emergência, que já detectou
problemas no serviço: "Baseado nas novas normas do Ministério da
Saúde, para uma população de 2 milhões de habitantes nas cidades, o
sistema deveria contar com o efetivo de cinco médicos reguladores
(responsáveis pela avaliação dos casos solicitados pelo telefone 192) no
período diurno e quatro no noturno. Isso efetivamente não vem ocorrendo
por vários fatores, principalmente o não interesse de profissionais
devido a faixa de remuneração e [más] condições de trabalho físicas e emocionais".
O próprio pátio do Hospital Carlos Tortelly retrata o abandono. Lá, há
um verdadeiro cemitério de ambulâncias, que acumulam sujeira e ferrugem.
O presidente da Associação de Funcionários do Samu, Leandro Santos do
Vabo, não economiza críticas:
- Em Niterói, acredito que só haja atualmente metade dos médicos
necessários. A quantidade de veículos também é insuficiente, já que boa
parte está quebrada, apesar de a verba para a conservação ser bastante
alta. Em São Gonçalo, por exemplo, ao ligar para o 192, o usuário só
consegue atendimento em casa depois de no mínimo duas horas e meia.
Nílson Júnior só vai guardar lembranças tristes do Samu. Ele diz que, ao
ir à central de atendimento, ouviu de uma atendente que os pedidos só
poderiam ser feitos por telefone. Na frente dela, ligou do celular e não
foi atendido.
- Fizemos 12 ligações. Até fomos atendidos em três, mas não
providenciaram nada. A atendente ainda me disse pessoalmente que, se eu
conseguisse ligar, a ambulância que estava parada na frente do hospital
não ia pegar meu pai porque estava quebrada - diz Júnior. E ressalta: - Foi
muito difícil levá-lo. Quando chegamos à porta da unidade, só havia
funcionários terceirizados, que não ajudaram. Outros pacientes nos
auxiliaram a carregá-lo no edredom. Mas, a partir do momento em que
entramos na emergência, vi esforço da equipe médica.
A Secretaria estadual de Defesa Civil informou que tem gerência apenas
sobre o Samu da capital. Já a assessoria da Secretaria de Saúde de
Niterói informou que "possui três médicos no plantão diurno e dois no noturno, na Central de Regulação", e que "não são preconizados seis médicos pela cobertura populacional".
O órgão disse ainda que conseguiu no Ministério da Saúde R$ 325 mil
para aumento e reforma da central, com licitação em andamento. E afirmou
também que há seis ambulâncias em uso na cidade. Sobre o caso de
Nílson, disse que terá de ser analisado posteriormente, porque há muitas
demandas, de sete municípios, concentradas em Niterói.
*Retirado do O Globo
**Via Saúde em Pauta
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